6.8.12

filha de professora sofre


Embora pareça que o blogue está de férias desde Junho, data do último post aqui escrito, só agora é que estou a fazer verdadeiro jus à definição de ócio. Mas não é para falar da minha vida de veraneante que aqui me encontro. Hoje venho dissertar sobre uma epidemia que se verifica anualmente, pela altura do Verão, e que se manifesta através de enxaquecas, crises de ansiedade, episódios de desespero nervoso e bastantes dores na alma. Apesar da facilidade de diagnóstico naquele que é um dos maiores grupos populacionais, os professores, também se podem verificar alguns dos sintomas nos seus descendentes. Sim, estou a falar do concurso para a colocação de professores, essa espécie de totoloto geográfico onde a probabilidade de se receber um prémio agradável é mais pequena que a de se apanhar uma doença que só aparece a cada 100 mil pessoas.

Todos os anos a história se repete: ordenar os códigos segundo a preferência geográfica, inserir os códigos na aplicação, rezar 30 ladainhas quando se está prestes a carregar em “submeter”, prometer ir a Fátima enquanto o formulário é submetido, pular de felicidade e agradecer às fadinhas se tudo correr nos conformes, alternar entre choro compulsivo e fúria dantesca, qual doente bipolar, caso algo corra mal. Este concurso é um verdadeiro teste ao sistema nervoso dos professores, disso não há dúvida, mas quem sofre os danos colaterais são os filhos que ajudam os pais nesta altura delicada das suas vidas. E sim, este testemunho é autobiográfico. O ano passado em Agosto, este ano em Julho. A lengalenga é sempre a mesma, os códigos é que mudam. Para os mais leigos na matéria não interessa saber que o número 171700 equivale ao Agrupamento de Escolas D. Pedro V. Ou que trocar o 700 por 451 pode significar emprego não em Lisboa, mas sim em Alijó. É a triste realidade, um número mal colocado pode tornar o professor numa espécie de saltimbanco, qual membro de uma companhia de teatro que percorre o País de lés-a-lés.
Repito, para o cidadão comum pouco interessa esta prosa. Para o filho de um progenitor que se lembrou de seguir esta profissão de risco, a conversa muda de figura. Expressões como “Escolas TEIP” (escolas quê?) e “QZP” (isso é uma doença?) fazem parte do quotidiano, não há hipótese de se lhes fugir. Como membro desta classe populacional desde que vim ao mundo, sinto-me na obrigação de explicar alguns dos conceitos base.

Escolas TEIP são aquelas que se encontram em Território Educativo de Intervenção Prioritária. São escolas para as quais se deve fazer um seguro de vida antes de se meterem lá os pés. Vale a pena também investir num colete à prova de bala ou numas aulas de esgrima ou karaté, só por descargo de consciência. E por amor à vida, vá. QZP traduz-se por Quadros de Zona Pedagógica. É difícil explicar o que é isto do QZP. Geograficamente abrange freguesias e concelhos mas não se podem utilizar os distritos como linhas de fronteira. Por outras palavras, é uma grande dor de cabeça e pode funcionar como uma variante do tiro ao alvo. Arranja-se um mapa dividido por QZPs, com as escolas existentes devidamente destacadas, e flechas conforme o número de Quadros aos quais se concorreu. Depois é uma questão de pontaria e sorte. Se se acertar na escola desejada, lancem-se foguetes e faça-se a festa. Se calhar numa escola lá para trás do sol-posto… Bom, primeiro estranha-se, depois entranha-se.

A vida de um filho de um professor, esse ofício que enche os bolsos dos farmacêuticos à pala dos calmantes vendidos, não é nada fácil, tenho-vos a dizer. Para a restante população 172315 é um mero número. Para mim significa acender muitas velinhas e rezar para que a minha mãe fique nalguma das escolas do Agrupamento D. Filipa de Lencastre.

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