14.1.11

esclarecimento eleitoral

Nestas eleições não vou votar. Não, não se trata de uma questão de protesto nem de "ter coisas mais importantes para fazer", resposta que está sempre na ponta da língua dos portugueses quando confrontados acerca de irem votar ou não. A verdade é que não vou votar simplesmente porque não posso. Não estando em Portugal aquando do acontecimento, nem tendo possibilidade de me deslocar à Embaixada não vou poder exercer aquilo que, para mim, é um dever cívico. Um dever que diz respeito a todos aqueles que têm o mínimo de consciência sobre o estado de coisas do País. Um dever que toda a gente devia encarar com a máxima seriedade, não obstante de se caracterizar por algo tão banal como meter uma cruz num pedaço de papel. Mas, antes de ser um dever, é um direito. Um direito pelo qual se lutou, apesar das pessoas se esquecerem cada vez mais disso. Um direito a partir do qual se exprimem vontades, motivações, desejos de mudança. Um direito que é o primeiro a ser reivindicado por todos aqueles que aparecem a queixar-se em horário nobre mas que são precisamente os que ficam em casa com o cu sentado no sofá a verem futebol no dia em que podem fazer a diferença, em que podem fazer concretizar a tão afamada mudança que é precisa. São os típicos "eles só querem é poleiro", os habituais "era vê-los a sobreviver só com o salário mínimo para verem o que era bom" e os não menos vulgares "isto assim não pode ser, este País está uma desgraça". 

Então, agora, pergunto eu: se isto está uma desgraça assim tão grande, porque é que em vez de se tentar mudar isso, se adopta uma atitude conformista, deixando os outros decidirem por nós? Se isto está assim tão mau, porque é não se toma uma posição? Porque é que as pessoas não se fazem ouvir em vez de irem para a praia ou para outro sítio qualquer que não a mesa de voto? Uns dizem que "não vale a pena, são todos uma cambada de corruptos", outros argumentam que "se tiverem tempo, são capazes de ir votar mas que o mais provável é não irem". Vamos por pontos. Não vale a pena? Não tendo como objectivo, neste momento, citar Pessoa, deixem-me dizer que vale sempre a pena. Pode ser apenas uma cruz no meio de muitas mas continua a ser a maneira de mostrarmos aquilo que queremos para o nosso futuro. Pode até não mudar nada, pode ficar tudo na mesma mas, ao menos, exercemos o nosso dever enquanto cidadãos, o dever de expressarmos aquilo que queremos e, mais importante ainda, o que não queremos. Tudo graças a um gesto que demora pouco mais de 5 minutos, o que também faz da desculpa de não ter tempo um argumento medíocre. Demora muito mais a constante necessidade de justificar o porquê de não ir votar do que fazê-lo. E as consequências de não o fazer são muito mais graves do que pegar no boletim e entregá-lo em branco. Ao menos entregaram-no e manifestaram a vossa posição, ainda que não vá ao encontro de nenhum dos candidatos que esteja em campanha. Formalizaram o vosso protesto para com as propostas, as promessas, o que lhes quiserem chamar. O não votar significa que simplesmente não interessa aquilo que se passa a nível nacional, não interessa aquilo que está para vir. Significa que são os outros a decidirem por nós próprios. Muito melhor do que perder um par de minutos a fazer uma cruz num bendito de um papel, a sério. Quanto a vocês não sei mas, quando entreguei o boletim de voto nas últimas legislativas, foi das maiores sensações de dever cumprido que tive. Senti que a minha vontade ajudou, minimamente que fosse, a construir o futuro do País, por mais ou menos brilhante que se avizinhasse. Senti que a minha motivação foi importante para fazer a diferença ainda que, durante o dia-a-dia, não interesse a quem quer que seja.

Sou contra a abstenção infundada, a abstenção que não se quer fazer ouvir simplesmente porque ir votar não bate com a agenda e com os planos previamente marcados. Espero que não só dia 23 mas também nos próximos actos eleitorais, esta abstenção de trazer por casa combata essa tendência e se faça ouvir. Porque, apesar de parecer o contrário, não será em vão. Nunca é.

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